Há um predador.
Como todo bom predador, ele se esconde nas sombras. Sua estratégia de caça é não ser visto. Ao menor sinal de sua presença, nós, a presa, batemos em retirada. Por isso, ele aperfeiçoou a técnica de se esconder, de se camuflar.
Mas nós somos inteligentes. Inteligentes demais. Nosso predador, em contrapartida, desenvolveu a técnica de se camuflar como um de nós. Como uma voz em nossa consciência. Pouco a pouco, alimenta-nos de pequenas conclusões que parecem nossas, visões que parecem criadas por nós mesmos.
O predador aprendeu também a nos pescar. Mas suas iscas não podem ser pedaços de comida. Somos espertos demais para isto. Sua isca é uma promessa de amor, de aceitação, de ascensão. Pesca-nos com a nossa falta de autoconfiança.
Ele não nos dá uma segunda chance. Disfarça-se como um mundo no qual sempre há espaço para infinitas reinvenções. Ao nos capturar, as cortinas caem e surge um mundo onde cada ação pesa, onde somos catalogados e estereotipados até dobrarmos nossos joelhos.
Fareja o sangue quente, ataca os fracos e moribundos primeiro.
O predador leva uma existência triste. Só sabe caçar. Não tem personalidade. Ao invés disso, possui outras pessoas e coisas e ataca. Está obcecado. Um hábito que se tornou a razão de sua existência. Seu único prazer é se sentir no controle, e mesmo este prazer é fugidio. A cada conquista, sua raiva de nós aumenta.
O predador está na natureza, nas moitas. Está na sociedade. Vaga possuindo corpos, criando causas, notícias, fofocas, disciplinas e ciências. Está em nossa cabeça, fazendo-nos questionar nossa própria sanidade.
O predador nunca descansa.